Um dia um grande amigo ajudou-me a realizar meu sonho de visitar o pregão viva voz, na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F).
Foi em 2002, quando ela ainda não tinha se unido à Bovespa e mesmo a Bovespa ainda mantinha seu pregão viva voz.
Então, atenção.
Foi nessa ocasião que comecei a entender, verdadeiramente, a Lei da Oferta e da Demanda nos mercados.
A minha história na bolsa de valores tomou um novo rumo quando eu pude visitar aquele ambiente.
Um dia inesquecível.
Era praticamente impossível entrar ali durante a sessão se você não fosse um dos operadores.
Eu mesmo não conheço ninguém que teve a mesma sorte que eu.
E, pode acreditar, eu estive lá e a história que eu vou contar vi com os meus próprios olhos.
O momento da virada
Eu me aproximei da roda do contrato futuro de índice naquele dia.
Na bolsa, era assim, cada tipo de papel era negociado em uma roda diferente.
Como todos estavam concentrados em executar suas ordens de venda e compra, nem repararam que eu estava ali e fiquei observando atentamente.
A bolsa estava caindo muito.
Queda livre!
Eu só escutava os operadores apregoando venda.
Todo o mundo querendo se livrar de seus lotes de contratos futuro de índice.
– Vendo 50 contratos!
– Vendo 150 contratos!
– Vendo 30 contratos!
Para você ter uma ideia do volume financeiro da coisa, cada contrato equivale em reais aproximadamente o valor em pontos do índice. Em termos de hoje, cada contrato é mais ou menos R$ 80 mil.
Eu só escutava falar em venda e, sério, 90% dos operadores estavam na venda.
Mas para conseguir se livrar desses contratos, vender esses contratos, alguém tem que comprar, não é mesmo?
E foi aí que apareceu um cara, no meio daquela gritaria desesperada com gente agitando braços e mãos segurando boletas para a venda.
O apelido do sujeito era JP. E começou a gritar “Fechado!” para todas as ofertas de venda que apareciam.
– Vendo 50!
E o JP:
– Fechado!
E o preço caindo.
– Vendo 150!!!
E o JP, de novo:
– Fechado!
E o preço continuando a cair.
– Vendo 200!
E o JP, incansável!
– Fechado! Fechado! Fechado!
O preço continuava a cair. Era muito estranho ver alguém comprando um ativo que só estava desvalorizando.
Quando eu achei que o JP já tinha comprado tudo o que queria ele grita:
– Tenho que comprar mais 1.000 lotes!
Como o fluxo do mercado ainda estava vendedor, continuaram a vender pra ele, como se não houvesse amanhã.
Porém…
… alguns operadores começaram a ficar com a pulga atrás da orelha.
Eu estava lá.
Eu via no rosto daquelas pessoas.
A emoção era transparente.
A linguagem corporal e a forma com que trocavam olhares me dizia: eles estão percebendo alguma coisa errada.
A essa altura, JP já tinha fechado com vários operadores vendedores, absorvendo todas aquelas vendas. E a seguir, compra mais mil papeis (negritei a palavra absorvendo porque ela é importante).
Já tinha absorvido uns 2 mil contratos.
– Caramba, será que o JP ficou louco? – na minha memória, tenho a impressão de ter ouvido algum daqueles vendedores dizer isso.
Mas o subtexto era:
“Será que o JP está comprando tudo a preço de banana e daqui a pouco esse negócio vai começar a subir?”
Eu vi acontecer: quem estava com aquele apetite na venda, ficou desconfiado e começou a diminuir as ofertas.
Vários até pararam de vender.
Nesse momento, para o espanto de todos, JP berrou de novo.
– COMPRO MAIS MIL!
Sério, JP?
Aí o olhar de muitos vendedores começou a virar preocupação.
Afinal, se o contrato de índice começasse a subir como o comportamento do JP indicava que aconteceria, teriam que fechar suas posições vendidas em algum momento.
Algumas dessas posições vendidas, para ganhar com a continuidade da baixa, recém haviam sido abertas e se a cotação subisse a partir dali virariam prejuízo.
Era preciso fechar aquelas posições! O mercado não caía mais! JP estava absorvendo tudo e não deixava mais o preço cair. Porque ele não parava de comprar, de absorver. E não dava sinais de que pararia.
Bom. Todos pararam de vender para o JP.
E agora que a oferta secou? O mercado fica parado, simplesmente?
Não.
JP ataca novamente.
Ele queria continuar comprando. Só que, agora, em vez de absorver as agressões de venda, ele passou a agredir, aceitando comprar a preços cada vez mais altos.
Isso fez com que o mercado subisse num soco só uns 300 pontos. Um movimento explosivo, frenético, incontrolável.
Quem tinha vendido apostado na queda, lá embaixo, precisou fechar suas posições. Para fechar posições vendidas o que temos que fazer? Exatamente: comprar. Mais demanda, faz o preço subir mais.
Graças a esse efeito – dos vendedores desesperados, agora na compra para fechar suas posições -, o JP nem precisava mais fazer força para o mercado continuar subindo.
E adivinhe quem estava vendendo a esses operadores, agora, a preços cada vez mais altos?
O JP.
Até eu, que não tinha caído na cilada, só estava olhando, fiquei com raiva
Simplesmente, ele conseguiu sozinho segurar o preço absorvendo as agressões de venda.
Depois de tanto comprar, ninguém mais queria vender para ele, porque ficaram com medo.
Ou seja: secou a oferta.
E, aí, ele se viu forte o suficiente pra fazer o mercado subir acionando os stops dos perdedores que venderam pra ele mesmo lá no fundo.
Parece ficção, não é? E que eu inventei tudo isso.
Mas não é.
Esse fato provocou um estalo na minha cabeça e a partir desse dia eu mudei completamente minha visão sobre os mercados.
Deixei de usar todos os indicadores que eu usava e entendi situações que antes todos aqueles indicadores não me mostravam.
Esse fato apenas abriu minha cabeça para uma nova forma de encarar o mercado.
E partir daí desenvolvi indicadores e estratégias voltadas para essa nova visão.
Tudo isso foi em 2002 e somente hoje posso dizer que domino a leitura profissional da bolsa de valores. Foi apenas o pontapé inicial para eu me desenvolver através dessa linha de raciocínio.
O que eu presenciei naquela ocasião foi um ensinamento de Sun Tzu na prática:
“Pareça fraco quando está forte e forte quando está fraco.”
JP aceitava passivamente as agressões que o mercado depositava sobre ele, com potência, até o momento que essa potência, esse combustível que empurrava o preço para baixo se esgotou.
E este foi o momento em que JP passou a ele mesmo fazer força para cima, agredindo na compra. Agora, quem absorvia eram os demais.
E, detalhe, ninguém sabia até quando ele continuaria agredindo os preços na compra: até prova em contrário, ele poderia fazer aquilo por muito tempo, por muitos milhares de contratos.
Podia ser um blefe?
Podia.
Mas a partir daí os vendedores decidiram acionar seus stops (bater em retirada), alimentando o fogo do mercado com esse combustível, só que, agora, para uma alta.
Posso dizer que foi aí que surgiu a filosofia do Raio X Preditivo que passou a pautar todas as minhas decisões na bolsa de valores.