A bolsa de valores, hoje, é de um silêncio oceânico, com sua fauna de peixes gigantescos e carnívoros e pequenos peixes, não menos carnívoros, mas de menor porte a navegar pelos misteriosos meandros eletrônicos de negociação.
Mas nem sempre foi assim.
Até 2005, na Bovespa, e 2009, na Bolsa de Mercadorias e Futuros, o cotidiano era de gritaria. Essa imagem é tão forte e marcante que até hoje está no imaginário das pessoas. Mas como funcionava aquele caos?
Qualquer um que olhasse de fora não entenderia nada, como se os operadores do chão da bolsa (aquela “arena” onde ordens de compra e venda se digladiavam), imaginariam que eles eram de outro país, talvez de outro planeta, se comunicando com berros, gestos, caretas, suor, com o corpo todo, num balé financeiro grotesco, recheado de estresse, pânico, ganância, medo e apego.
No último pregão viva-voz em 2009, na BM&F (então já unida à antiga Bovespa), 45 milhões de negócios foram fechados por meio eletrônico e 800 na base do grito. Depois desse dia, centenas de operadores perderam o emprego. Cada corretora tinha alguns no pit (do inglês, fosso ou buraco).
Esse profissional, extinto como os dinossauros, usava palavras especiais para dizer aos outros o que queria.
Se você ouvisse um deles dizendo “bate”, “enfia”, “toma” poderia concluir que o clima estava ficando tenso e que alguém partiria para as vias de fato. Mas isso queria dizer tão somente que era para efetuar uma venda.
Não, esse senhor que estivesse dizendo isso não era um “pagão”. Na verdade, “pagão” é o melhor preço de compra (termo ainda usado hoje, mas em conversas mais suaves).
“Bola”, também usado pelos profissionais ainda versados no antigo dialeto do pit, queria dizer redondo. Por exemplo, R$ 80,00 é oitenta-bola-bola ou, simplesmente, oitenta-bola.
E você poderia até pensar que estava num ponto do jogo do bicho quando os operadores começassem a falar de galo, duque, terno, quadra e quina, respectivamente 50, 200, 300, 400 e 500 unidades ou lotes de algum ativo, conforme o caso.
Mas havia ainda os gestos que, talvez, se não for feito um trabalho de preservação se percam na história e no tempo.
Através desse complexo sistema de comunicação – ainda que feito para simplificar o trânsito de informações naquele ambiente hostil a palavras mais sutis -, tínhamos um fluxo que era mais ou menos assim: de um lado um vendedor oferecia o ativo e a corretora passava essa ordem de venda a seu operador; do outro, um comprador fazia a sua demanda e essa ordem de compra era passada pela corretora a outro operador; com o contado dos dois operadores, fechava-se de um lado um contrato de venda e, do outro, um de compra e a operação era passada à BM&FBovespa.
Tudo isso acontecia muito rápido.
Mas não era nada rápido se compararmos com a realização de negócios via meio eletrônico. Primeiro, nossa bolsa usou o Mega Bolsa e hoje o sistema Puma integra diversos mercados em que a hoje B3 atua.
Como eu disse, tudo muito silencioso. Mas não se engane. A intensidade e a violência da bolsa está até maior agora, mesmo num silêncio similar ao vácuo espacial.
E, como dizia no cartaz de Alien, o Oitavo Passageiro, o clássico de ficção e terror de 1979, dirigido por Ridley Scott, “ninguém escutará o seu grito no espaço”.